sexta-feira, 3 de junho de 2011

A pimenta... entre o doce e o picante!

Os alimentos não são, para mim, um instrumento saciador de “fome” ou repositor de nutrientes. Os alimentos me atraem pela sua indescritível capacidade de causar as mais diversas e intensas sensações, e antes do paladar vem o aroma que deles se desprende!
O olfato é o sentido que primeiro desperta a nossa memória e exalta em nós o resgate de emoções.
Quem resiste ao vermelho polido do fruto de uma plantinha que pertence à espécie Capsicum? Eu não resisto! Esses frutos assumem várias formas (do alongado ao arredondado) e cores (do alaranjado ao vermelho rubi), e o sabor transita entre o doce agreste e o exultante picante. O aroma nem sempre se expõe plenamente na sua casca, portanto, a pimenta inteira é apenas um convite a abri-la a explorá-la. É no interior que se exacerba toda a sua essência e o perfume nos contagia, ao ponto de ativar as nossas glândulas gustativas e produção de saliva que, se prepara e quase suplica para saboreá-la.
Mas quando as sementes se despem da polpa e se dispersam, esfuziantes, pela minha boca, um sopro ardente inicia o ballet que me visita a garganta, transpira em meus olhos e aquece-me a pele enquanto me queima a alma.
Cresci em solo africano, chamando-a de piripiri ou de malagueta e namorando-a durante o manuseio pelas mãos negras de Nina. Mãos fortes e suaves que conversavam com os alimentos com delicadeza semelhante à que me afagava o rosto. Mãos que deslizavam pela pele do frango, espalhando nela a pimenta amassada na ponta dos dedos. O aroma invadia a cozinha e, no calor do forno ia, aos poucos, tomando conta da casa, atrevendo-se pela rua.
A ardência da pimenta temperou com doçura momentos da minha infância!

domingo, 15 de maio de 2011

No baú das minhas lembranças.. O chá!

As memórias da minha infância são como fios de cristal que se entrelaçam e desenham um baú. Indescritível em seus contornos e imensurável em suas medidas, ele cabe num precioso canto do meu coração e, quando sem hora nem lugar marcados, sopra em mim a brisa que resgata as lembranças, e com ela se forma uma revoada de risos e aconchegos.
Por entre o murmurinho de vozes femininas espreita a sinuosidade da nuvem que emerge da xícara! É de fina porcelana (chamada de casca-de-ovo) e os desenhos se vestem de límpido azul. Em torno da mesa coberta de branco rendado, se acomodam minha avó e suas amigas. Sobre ela há uma meticulosa variedade de petit-fours dispostos em pratos perolados, há o brilho polido dos talheres, há a imponência do majestoso bule, há a delicadeza bordada nos guardanapos... e como numa ciranda que dança ao cair da tarde, a madura elegância dos quatro pares de mãos vão dando movimento a tudo isso.
Aninhada no aveludado da poltrona que se alinha à decoração da sala, meu olhar ávido, de menina, se entretém no percurso e na intenção de cada gesto, em cúmplice parceria com os ouvidos, atentos, que brincam de decifrar os diálogos.
Mas de todos os encantamentos que este momento, repetido (ou prolongado) todas as semanas na despedida de um de seus dias, trouxe à criança que “espiona” o universo dos adultos e seus códigos complicados, há um que ainda me invade os sentidos, os enlaça e os convida a rodopiar... rodopiar num palco de porcelana tocada na ponta dos dedos...  vestidos com esvoaçantes, translúcidas e mornas sedas de vapor... perfumados com um amadeirado misturado ao silvestre de folhas de arbusto queimado... e os aplausos ecoam no corpo e na alma quando, num gole, o sabor do líquido nos aquece a boca e o peito. É o chá!
Para apreciar verdadeiramente um chá genuíno, não recorra à tecnologia dos tempos modernos, por isso dispense o “saché” e prepare-o com a própria erva, em infusão. Tome-o numa xícara ou caneca, mas que sejam de porcelana e, por fim, não use açúcar ou adoçante, porque estes alteram o seu sabor original. Ah, e para que o seu paladar o envolva generosamente, não o deixe esfriar, ingira-o ainda quente, naquela temperatura que parece precisar de uma ou duas leves assopradas.
Se Saint-Exupéry já dizia que o essencial é invisível aos olhos, pois só se enxerga bem com o coração, eu diria que não basta tomar o chá, é preciso sentir-lo em todos os seus nuances. O chá é o verso de um ritual poético, conferindo a quem o bebe uma leitura pessoal.

domingo, 8 de maio de 2011

O Morango, entre a cor e o sabor

Você já parou para pensar como seria a vida sem as cores, ou apenas em preto (a ausência de cor) e branco (a mistura de todas as cores)?
A sensação que tenho é de que ela seria desprovida de emoções, e nós não passaríamos de mecanismos que transitam entre dois opostos sem definição de forma, espaço e tempo.
Há alguns anos assisti ao filme Pleasantville – A Vida em Preto e Branco, dirigido por Gary Ross, onde um jovem casal de irmãos, a partir de um toque no controle remoto da televisão é, de repente, transportado para a realidade de um seriado que o rapaz costuma assistir avidamente, e cujo enredo se passa em Pleasantville, uma pequena cidade repleta de normas proibitivas (entre elas, os livros) e onde todas as coisas, vivas ou inanimadas, se resumem à variação dos tons entre o preto e o branco.  Os dois jovens, cada um do seu jeito, acabam imprimindo aos habitantes uma série de emoções, através do rompimento das regras ali estabelecidas, e isto faz com que as cores comecem a surgir. É curioso reparar que primeiro vem o vermelho da rosa, da maçã ou dos lábios de uma dona-de-casa.
E por quê o vermelho? Talvez porque a ele está associada a propriedade estimulante. Em 1790, Johan Wolfgang von Goethe, um escritor alemão que também se dedicou às ciências, inicia um estudo sobre as cores, e atribui esta característica ao tom rubro.
E falando em vermelho na área gastronômica, qual o primeiro alimento que você visualiza? Eu vejo morangos! Suculentos morangos, sedutores na forma, na cor e no sabor (na verdade, o fruto são aqueles pequenos grãos amarelos ou pretos, localizados na superfície da parte vermelha).
Tenho em minhas mãos uma pequena taça de vidro que deixa transparecer a rubra cor, intermediada por pequenos e verdes desenhos estrelados. São as folhas que o prendem à haste. Gosto de deixá-las para poder segurá-las e, em pequenas mordidas, degustar a textura macia desta fruta. Aceita uma? Tome em sua mão o formato de coração vestido com a intensidade do vermelho, e leve-o lentamente à boca, sentindo primeiro o aroma silvestre, para depois saborear o agridoce que dele se desprende!
Não é maravilhosa a natureza, que nos presenteia com esta sutil mistura entre o majestoso e o singelo? Considerado a fruta símbolo de Vênus, associado ao romantismo e ao erotismo, fascinante aos olhos das crianças, o morango é, simplesmente... fascinante!

sábado, 30 de abril de 2011

A CANELA

Não, eu não como primeiro com os olhos, como se costuma ouvir por ai!

Não nego que a aparência de um prato é relevante no grau de sedução que este exerce em nós, mas se o “encontro” for pessoalmente e não através de foto ou vídeo, o aroma me toca primeiro e se planta na minha memória com uma consistência mais forte e duradoura do que a aparência.

Os aromas nos despertam lembranças e sentimentos associados a elas!

A canela! Hum!... A canela cuja cor Jorge Amado louvou na pele de Gabriela, à qual deu o perfume do cravo. Por quê não o da canela?

Houve um tempo, na década de 1960, em que uma menina ainda passeando pelas primeiras descobertas de um mundo em que a fascinavam as cores, os odores e os sabores, desvendou num pó que às vezes era pau, o mistério da ilusão do paladar. O cheiro da canela simplesmente me fascinava de tal forma, que eu rodava a tampa do potinho de vidro e, de olhos fechados, ficava eternos minutos inspirando o aroma que dançava como a borboleta, e ela tinha duas asas: uma amarga e outra doce. Lembrava do quadriculado que a minha mãe desenhava sobre a travessa de aletria, que eu devorava, lentamente. Resolvi levar o pó à boca, gulosamente, numa quantidade não muito pequena e, então descobri que seu gosto era como se a borboleta tivesse perdido as asas.

Já experimentou colocar uma pitada de canela na língua, tampando o nariz? Faça-o e perceba que, sem o aroma, a canela não tem sabor ou, mais precisamente, que este não se identifica de forma alguma com o seu perfume. É isso mesmo! O que a canela nos parece trazer ao paladar é apenas uma ilusão mascarada pelo olfato. Essa é a magia dos cheiros!

Mas além do prazer que pode ser descrito em múltiplos êxtases, o aroma dos temperos tem uma fantástica função.

Quando inalamos o aroma de um prato preparado com ervas aromáticas, raízes, sementes ou caules, ativamos as células nervosas das narinas, as quais transmitem o estimulo ao nosso cérebro, informando que o alimento do qual se origina o aroma, está a caminho. Então, o cérebro envia esta mensagem às glândulas salivares, e as avisa para que elevem a produção de saliva, aumentando assim a produção de uma enzima responsável pela digestão dos carboidratos, (batata, pão, macarrão e massas em geral). Ao mesmo tempo, o cérebro envia também uma mensagem ao estômago, para que este aumente a quantidade de ácido clorídrico (principal elemento do suco gástrico). Ao mesmo tempo também, a secreção de uma substância hormonal que ativa o pâncreas e o fígado, é estimulada no intestino, e prepara estes dois órgãos para o início do processo digestivo.

terça-feira, 26 de abril de 2011

O Chocolate... quente.

O entardecer vestia-se de um hálito morno, como rastros do sol ardente que iluminara o dia. Não havia aquele frescor que nos abraça o corpo e faz as entranhas clamarem por algo que nos aqueça, mas a alma pedia, ainda que timidamente, o inebriante passeio pelo aveludado sabor do chocolate.
Estou sozinha, no aconchego de uma poltrona onde me afundo, e divido com os objetos à minha volta o embalo de Carmina Burana. Está vendo esta nuvem sobre a xícara que se ajeita entre as minhas mãos? Chegue mais perto... Venha sentir o perfume cítrico da casca da laranja. Perceba o toque amadeirado da canela. Feche os olhos... Inspire! Inspire! Deixe-se envolver e brinque entre o doce e o amargo do chocolate.
Como se sente? È o êxtase, não é?
A mistura destes ingredientes é simplesmente um poema de aromas e sabores!
O chocolate já é, por si só, uma ode ao paladar!
Os gregos o chamavam de “alimento dos deuses”, em grego, Theobroma, nome com o qual o botânico sueco Linneu batizou, em 1753, a árvore cujo fruto é o cacau, popularmente chamada de cacaueiro. Independente das teorias e experiências científicas sobre a capacidade estimulante da grande quantidade de cafeína que se encontra em sua composição, o chocolate é, acima de tudo, sedutor.
Sente-se ao meu lado, nesta outra poltrona. Tome esta xícara entre as mãos (estava esperando você) e sinta o calor que pulsa nela. Leve-a aos lábios, devagar, bebendo primeiro a nuvem que dela se desprende. Agora a incline e deixe o chocolate escorrer, lenta e aveludadamente, para dentro da sua boca. Não engula ainda! Explore primeiro a sua textura e cada nuance do seu sabor. Pode engolir agora! Abra sutilmente a boca e embriague-se com o seu hálito. Não é fantástico?

Se quiser fazer novos passeios com o chocolate, visite os links acima, e encontrará, em vários contextos, toda a poesia do seu aroma e paladar.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Minha Mãe e a Magia da Torrada

Hoje resolvi visitar o sótão da minha história, e tomei nas mãos um diário póstumo, onde fiz das palavras minhas amigas, e pincelei confidências com as cores que a vida deu ao meu coração.
Logo no começo deste passeio nostálgico, encontrei uma receita que aprendi com a minha mãe, e não sei se lhe foi passada pela minha avó ou se a encontrou folheando um livro de receitas. Mas a forma como criava a mistura e ordenava os ingredientes, foi para mim um espetáculo de tanta magia, que o relembro ainda, sentindo-me uma criança que aplaude o mágico ao vê-lo tirar da cartola borbulhantes aromas.
Reproduzo aqui o pequeno trecho, na tentativa e intenção de compartilhar esse momento de magia!

"Não tive pão fresco todas as manhãs, nem sempre tive a manhã para colocar pão fresco, mas com certeza tive, nos momentos certos, pessoas que me ensinaram a improvisar, a recriar cada momento.
Aprendi com a minha mãe, a brincar com sabores e texturas em cima de um pedaço de pão. Quer experimentar? Venha comigo!
Corte um filão ao meio (longitudinalmente). Eu já liguei a torradeira! Pode colocá-lo lá até que fique dourado e crocante? Por favor, pegue a manteiga, (manteiga, não margarina), observe-a deslizando sobre o miolo, e como ele a bebe, sedento. Espere, não o leve à boca ainda! Deixe-me polvilhá-lo com açúcar, canela, e respingar umas gotinhas de limão. Agora sim! Traga lentamente sua mão! Não se apresse! Dê-lhe o ritmo da sua percepção dos nuances que não se quebraram na mistura, e perceba-os democraticamente soberanos. Dê o tempo que for necessário à linguagem de cada um dos sentidos, e depois, saboreie... saboreie...saboreie!"

sábado, 16 de abril de 2011

O PALADAR

Eis que de repente, nem tão de repente, um gélido sopro nos infla o peito e comprime todas as alegrias até que elas sejam apenas um sussurro desbotado na memória. Perdemos o chão e a ponta dos nossos pés parece tocar a linha limítrofe ao abismo cavado por nós mesmos e, mesmo que não tenhamos manuseado a pá que aprofundou a distância, assistimos à exaustão de suas medidas, inertes ou covardes. Cada um de nós caminhou em direções opostas, nossos interesses e idéias foram divergindo cada vez mais, a cumplicidade entre nós acabou sendo esquecida e, de amigos passamos a colegas. Essa percepção nos engole, num hálito amargo e frio!
Não é assim que nos sentimos quando, através de fatos ou sinais, descobrimos que não representamos mais, para o outro, aquilo que um dia havíamos representado, ou acreditado que assim fosse? A tristeza não range como o balanço da cadeira nas tábuas podres do tempo que se esvaiu? Não experimentamos um certo sentimento de revolta porque não nos foi avisado de que isso aconteceria? Será que as nossas sensações, perdidas num turbilhão de significados, são desencadeadas pelo desconforto na mudança da forma e do conteúdo de uma relação? Ou será que tudo se resume na dor de um amor não correspondido?
Mas se há a dor de “um amor não correspondido”, é porque ainda há amor. E se há amor, justifica-se a luta da reconquista?
Costumo dizer que a toda a escolha corresponde uma renúncia! Então, nunca se ganha somente ou se perde somente.
Diante do abismo há que escolher entre virar-lhe as costas e começar a traçar um novo caminho, jogar-lhe pás e pás de reconstrução para que a distância se apague, ou simplesmente jogar-se nele e suportar as dores que a queda poderá causar. Na primeira opção há a árdua caminhada de desbravar trilhas desconhecidas. Na segunda, existirão momentos de cansaço e a incerteza assustadora do resultado. Na terceira, as decepções poderão causar a múltipla falência dos sentidos, e o “amor” se tornará insípido e inodoro.
Será necessário colocarmos na balança a razão e a emoção?
Ou será que devemos aprender racional e emocionalmente sobre a ambígua condição humana de irmos ou ficarmos?
É difícil e quase inútil darmos ou recebermos conselhos sobre algo tão subjetivo, tão pessoal. Já ouvi histórias ilustrativas da visão que cada um tem do mundo ao seu redor, algumas justificadas pela cor e grau de transparência da janela através da qual o olhamos. Mas também já me questionei sobre o fato de esta visão estar agregada à memória do gosto que algumas circunstâncias gravaram em nós. O paladar tem memória! Ou deveríamos dizer que a memória tem paladar?


O paladar é o sentido pelo qual distinguimos o sabor, e o órgão responsável por este sentido, é a língua, pois é nela, que se encontram as terminações nervosas, (existem algumas também na garganta), cuja especialidade é definir o paladar. Estas terminações estão na rugosidade da parte superior da língua. Cada parte da língua se responsabiliza por sentir com maior intensidade, cada um dos quatro tipos básicos de sabor:
° Doce e salgado: na ponta
° Azedo: nas bordas
° Amargo: no fundo

quinta-feira, 14 de abril de 2011

MAMMA MIA - O SABOR DA GRÉCIA

Eu adoro musicais! Claro que não guardo na minha gaveta deste gênero todos aqueles a que assisto, pois alguns já conseguem muito da minha tolerância, quando não desisto na metade do filme. Sou fã irrevogável de Meryl Streep, não fosse por tantas outras atuações, “A Escolha de Sofia” e “As Pontes de Madison” já teriam me marcado. A Grécia me encanta, por sua história, seus costumes e sua paisagem.
Assim sendo, estes três motivos foram suficientes para me instigar a assistir ao filme “Mamma Mia”!
Logo no início tive a constatação de um pensamento construído racionalmente, mas esquecido quase sempre quando se trata de aplicá-lo à emoção. Acontece que, ultimamente, quando me olho no espelho percebo-me visível e assustadoramente envelhecida. Não, não se trata dos traços implacavelmente imprimidos pelo tempo cronológico, mas sim da ausência de juventude que deveria vir da alma, dando brilho aos olhos e vivacidade às expressões. Em “Mamma Mia” Meryl Streep rejuvenesceu muito, se compararmos a “As Pontes de Madison”! Há a influência da maquiagem e dos recursos cinematográficos? Claro que sim! Mas há também e, principalmente, o estado de espírito contextualizado na alegria de viver desta ilha paradisíaca, há o brilho da alma que escorre pelos poros, nos gestos e nas expressões!
Não procure cenas gastronômicas no filme! Elas não estão lá! Elas estão por toda a Grécia, pois não há como pensar neste país sem colocar em nossos pensamentos o sabor e o perfume da sua cozinha.
Hipócrates (considerado o pai da medicina) era grego, e elaborou um extenso receituário, estruturado nos alimentos produzidos por esta região.
Situado na região sudeste da Europa e banhado pelo mediterrâneo, este país (com cerca de 11 milhões de habitantes) tem sua culinária repleta de vegetais, grãos, sementes oleaginosas (como a noz, por exemplo), azeite, mel e yogurtes feitos com leite de cabra. Ervas frescas, cereais, carne de carneiro e peixes e frutos do mar também marcam sua presença na mesa do grego, quase sempre acompanhados pelo néctar das videiras (o vinho), como longa tradição desta civilização.
Na Grécia a gastronomia é valorizada desde os tempos antigos, quando já se contava com algumas escolas em Atenas, pois além de a alimentação representar uma forma de fortalecer seus guerreiros, as refeições eram envolvidas pelo prazer de uma boa mesa e seu ritual representava um ato de civilidade, assim como os banquetes eram verdadeiras manifestações da arte culinária, permeando todos os sentidos.
A cozinha dos gregos consiste basicamente em alimentos frescos, e suas carnes e peixes são geralmente grelhados, havendo exceções para outros pratos deliciosos, como o cozido de carne ou polvo, chamado de “stifado”, delicadamente perfumado com o aroma da canela, o qual passeia por várias comidas salgadas e doces, entre elas o “kadaifi”, massa folhada recheada com amêndoas e canela.
Entre os líquidos preferidos deste povo encontramos o café árabe, a aguardente de uva com essência de anis e os vinho, tintos ou brancos, sendo que há sempre um petisco acompanhando as bebidas alcoólicas. Os “mezédes”, pequenas porções de antepastos, que acompanham uma bebida e são degustados antes das refeições, têm na sua vasta lista o patê de berinjela e a coalhada com pepino e alho.
Um outro fator que contribui para o caráter saudável da alimentação grega é a ausência de pressa no desenrolar das refeições, como um ritual de sereno prazer, ampla e profundamente saboreado desde o “mézede” até à sobremesa, envolvido por conversas que ultrapassam a hora, e se arremata numa boa sesta.
A Grécia é um quadro de fantásticas cores, aromas e sabores! Há a maresia que perfuma o ar e, conforme a estação, vai recebendo pinceladas da vegetação que floresce e se frutifica no delicioso hálito das ervas e das frutas, onde se destacam melões e melancias, uvas, pêssegos e doces figos!

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O AZEITE

Ainda menina, quando mal acabara de aprender a me deslocar pelo espaço, na posição vertical, e a formar frases com mais de três ou quatro palavras, identificar os aromas e segui-los para absorvê-los mais de perto era para mim um momento lúdico de imensa satisfação. Havia o doce perfume da minha mãe no abraço matinal, havia outro, mais amadeirado, que deixava suas “pegadas” pelo corredor da casa e se despedia sob o batente da porta, quando o meu pai saia para trabalhar. Tinha também o cheiro aconchegante da pele negra de Nina, nossa cozinheira, quando me acomodava em seu colo para ouvir histórias vividas, e o sussurro rosa-laranja das mangas deitadas na fruteira, sobre a mesa da sala. Tantos perfumes espreitando por todos os cantos!
Mas quero falar agora do crepitante cântico do azeite aquecendo na panela, que ousado e sedutor, atravessava a porta da cozinha e passeava pela casa. É um aroma que, até hoje, se impregna em meus sentidos e me faz salivar como se em minha boca se tornasse presente seu sabor e sua textura. O azeite se instalou com tanta veemência em minha memória que, basta olhar seu límpido verde através da transparência de um vidro fechado, para que todas estas sensações se despertem em mim, como o sol que invade a janela e me afaga o rosto. Assim o azeite me toca a alma!
Se não uma rainha, a oliveira, consagrada à deusa Atena, fornecia as folhas que se trançavam e compunham as coroas sobre as cabeças dos atletas gregos, aos quais também era oferecido, como prêmio, o fino óleo extraído de seu fruto, a azeitona. A este óleo se deu o nome de azeite, pois se constitui no “sumo da azeitona” que, vem do árabe Az+zait.
Apesar de não haver uma data certa para o aparecimento das oliveiras, presume-se que tenham aparecido na região da Ásia Menor, na época do Paleolítico Superior. Já presente por todo o Crescente Fértil em 3.000 a.C, o cultivo das oliveiras se difundiu pela Europa graças aos gregos e romanos. Após espalhar-se pela bacia do Mediterrâneo, chegou às Américas através das expedições marítimas dos portugueses. O sol e clima seco são propícios ao seu plantio, e os frutos da oliveira, normalmente aparecem cinco anos após a plantação. Este azeite ajuda a prevenir doenças cardiovasculares. Contribui para reduzir o nível de colesterol, favorece a fixação de minerais no organismo, estimula o crescimento e a absorção de cálcio.
Há como resistir a este alimento maravilhoso que, além de ser tão benéfico ao nosso organismo, nos imprime sensações inesquecíveis? Há como não cerrar as pálpebras e inflar o peito para inspirar o aroma poético do azeite?

quarta-feira, 23 de março de 2011

O VINHO

A taça erguia-se, entre majestosa e singela, sobre a rústica madeira da mesa rasteira no meu alpendre! Debrucei-me em sua direção e, antes de levá-la à boca, brinquei deslocando-a em círculos, entretida com os suaves movimentos do líquido rubi que, acariciou-me a alma entardecida com um aroma de cacau, pimenta e baunilha para, em seguida, beijar-me os lábios. Completei o momento sorvendo um pequeno gole, permitindo que o vinho entrasse em contato com as diferentes regiões da minha língua, pois cada uma capta um sabor distinto.
Era assim que, em alguns finais de tarde, eu me refugiava no jogo da percepção dos sentidos: eu, o silencioso abraço da brisa e minha taça de vinho.
Esta bebida que nos adormece e nos desperta veio abrindo espaço na história dos homens e sua presença se fez constante. No Auto Retrato de Munch, pousada sobre a mesa há uma garrafa de vinho. Em La Collazioni Dei Canottieri, de Renoir, a confraternização é regada a vinho. Pablo Neruda em seu Oda al Vino, dá ao dia e à noite a cor do vinho e lhe pinta os pés de púrpura, chama-o de sangue de topázio. Mário Quintana leva o vinho, para beber docemente com o mais velho e silencioso amigo. Fernando Pessoa diz que a vida é boa, mas que o vinho é ainda melhor, e Baudelaire descreve o cântico da alma desta bebida. E na mitologia? Ele está lá, junto ao deus Baco ou nas histórias de Dionísio. Diz a lenda que, certa vez, no harém do rei Jamshid (na Pérsia), uma das donzelas tenta se matar, ingerindo o suco das uvas contidas em uma das jarras, que espumavam e exalavam um cheiro estranho, por acreditar tratar-se de veneno. Ela não morreu, e em vez disso caiu num repousante sono, após ter sentido o êxtase da alegria. Ao saber disso, o rei ordenou que tal bebida fosse produzida em grande quantidade.
Pesquisadores datam o início do cultivo da uva, de há mais de 4000 anos, mas a localização no tempo, das primeiras produções de vinho, ainda é incerta, as quais, de métodos artesanais, com mínimas condições de higiene, e formas rudimentares de conservação, assim como embalagens precárias, vem evoluindo na sua elaboração, ao mesmo tempo que, as formas da garrafa são mais elaboradas, e as rolhas mais fortes.
 Escavações na Turquia, na Síria, no Líbano e na Jordânia, indicam a presença das uvas, já na Idade da Pedra, cerca de 8000a.C, embora este dado se refira às uvas selvagens e não ao seu cultivo. A época em que o homem passou de nômade a sedentário, e por isso adquiriu o hábito de plantar, coincide com a data das sementes de uva (classificadas pela marcação de carbono), encontradas na Geórgia, que são definidas como sendo de plantio, porque estas diferem das selvagem, que não possuem os elementos necessários, (como a capacidade de armazenar açúcar na proporção de 1/3 do seu volume) para a confecção do vinho.
 A Palestina empreendia-se no cultivo e na seleção de vinhas da melhor qualidade, para a elaboração de uma gama de vinhos com grande reputação.
Os vinhedos prosperavam à margem do Golfo Pérsico, dos Mares Cáspio, Negro e Egeu. Floresce no Egito e se propaga até à Europa. A cultura da uva é empreendida na Grécia, nas ilhas sob o domínio do Rei Baco, e os vinhos aqui produzidos são levados aos portos do Mediterrâneo, às vezes com preços exorbitantes, especialmente em Roma, onde o seu consumo chegou a ser proibido para as mulheres, devido ao excesso tomado por alguns consumidores, e seus efeitos, considerados não morais.
A expansão desta cultura se deu de tal forma, que causou uma superprodução na Península Ibérica, e uma conseqüente queda de preços. Pressionado pela crise, o Imperador Domiciano, ordenou que fossem queimadas as vinhas de origem dos vinhos de baixa qualidade, o que não impediu que a cultura do vinho continuasse sua progressão, principalmente com a grande contribuição da Igreja, a qual passou a fazer da viticultura, uma forma de aumentar o seu tesouro, abastecendo monarcas, e altas autoridades de países vizinhos.
Já fomentada em larga escala pelo clero, ao redor dos monastérios, e em seguida pela nobreza, ao redor dos castelos, a cultura de vinhedos atinge o interior das cidades, onde são controlados pela burguesia(senhores feudais).
O vinho é o brindar da vida, do laço da amizade e o aconchego na solidão!

terça-feira, 22 de março de 2011

MANJERICÃO

Desde menina, de vez em quando (ou quase sempre) me dava conta desatenta aos sons e imagens do mundo, mergulhada num universo feito de brisas perfumadas. Sempre foi (e ainda é) o hálito da chuva beijando a terra, num beijo feito abraço, o meu cheiro preferido (sem falar, o sopro quente da pele dos meus filhos). Mas não há como esquecer o dia em que me soltei da mão da minha avó, puxada pelo aroma que se desprendia, lá atrás, de algum lugar, na banca de folhas verdes. O encanto fez meu vestido de menina rodopiar! Na terceira tentativa, ainda com o pequeno maço encostado ao meu nariz, pude ler a plaquinha onde estava escrito “manjericão”.
Desde então não resisto a um ramalhete destas folhinhas perfumadas!
Para quem não lembra, o manjericão é aquela erva aromática colocada sobre a pizza Margherita, junto ao tomate, muçarela e azeite.
Foram os povos egípcios quem, ao perceber que certos arbustos liberavam aromas agradáveis, ao serem queimados, passaram a utilizá-los como perfume. Aos poucos se descobriu suas funções medicinais e sua contribuição ao sabor dos alimentos.
Originário da Índia, o manjericão é um arbusto que chega a atingir 50cm de altura. Suas folhas (de onde se desprende o sabor doce e picante) têm uma forma semelhante à do coração (foi considerado símbolo do amor, na Itália, e do luto, na Grécia) e suas pequeninas flores vão da cor branca à púrpura.
O manjericão nos envolve e nos toma a atenção dos sentidos!
A cineasta Lina Wertemuller, olhar crítico e sensível sobre a sociedade italiana, que o diga! Em 1986 ela lançou o filme Noite de verão com perfil grego, olhos amendoados e cheiro de manjericão.
Experimente! Inebrie-se, entregue-se, sorria aromas manjericais!

OMELETE - "A GRANDE NOITE"

Cinema é uma das minhas paixões! Imagem só quando o sabor permeia as cenas e se torna protagonista!
Fantástico, maravilhoso! Não fosse a frustração por não encontrar palavras que definam em toda a sua plenitude a beleza desta obra-prima, eu me encontraria no mais absoluto estado de graça. Os diretores Stanley Tucci e Campbell Scott presenteiam-nos com “A Grande Noite”, onde a emoção e o paladar são seduzidos em toda a sua exacerbação.
O enredo se exalta na busca de sonhos, na determinação de princípios, ou no confronto destes com as metas traçadas, ao mesmo tempo em que nos embala numa suavidade eufórica, ao contemplar o debruçar da alma no preparo dos alimentos. É a história de dois irmãos italianos, Primo (Tony Shalhoub) e Secondo (Stanley Tucci), que montam um restaurante em Nova Jersey, nos anos 50, procurando transmitir em cada nuance a verdadeira essência da gastronomia italiana. Os clientes são escassos além de estarem mais interessados em comer do que saborear, e as dividas se avolumam. Enquanto Secondo representa o real, a razão, a luta pela viabilidade da concretização de um sonho, embora o seu lado de emotivo italiano, por vezes o faça transpirar no calor da emoção, Primo representa o idealismo, a lealdade às raízes, a preservação do sentimento impregnado em cada tempero e traduzido no detalhe de cada gesto. A grande noite representa para o primeiro um passo decisivo rumo ao sucesso, mas para o segundo ela se revela como uma ameaça à integridade do artista que expõe o paladar fazendo dos ingredientes sua matéria prima e dando-lhes forma ao despertar todos os sentidos.
A trilha sonora é envolvente no resgate da melodia italiana, e se encaixa perfeitamente em cada situação.
Os diálogos primam pela simplicidade de códigos e a complexidade de emoções.
As imagens são belíssimas, ora frenéticas, ora serenas, numa cadência que inebria o espírito, e o visual dos pratos que compõem a grande noite é de dar água na boca. A elaboração do “Tímpano”, receita sigilosa passada através das gerações, faz com que queiramos invadir a tela, e nos deixar invadir pela descoberta de seu sabor, aroma e textura. Mas o momento mais delicadamente intenso, é a preparação em tempo real de uma simples omelete, para onde se converge todo o teor emocional do filme.
Após ter assistido duas vezes seguidas a este delicioso filme, ainda envolvida pelo clima que transpira em cada cena onde o alimento está presente, dirigi-me à cozinha, e com toda a alma passeei pelo mágico mundo onde sabores, aromas, cores, consistências se abraçam e exalam um prazer indescritível.
Um bom cozinheiro se identifica na qualidade de pratos simples, onde o verdadeiro paladar não se permite mascarar.
Com certeza não tão simples quanto a omelete preparada por Secondo, mas sem dúvida conduzida pela com a mesma paixão, num prato fundo, bati 4 gemas, 1/3 de xícara de leite, 1 colher (de café) de erva-doce, 1 colher (de sopa) de salsa picada e 1 colher (de sopa) de queijo tipo parmesão ralado. À parte, bati 4 claras em neve, as quais anexei à outra mistura, envolvendo-as delicadamente.
Em fogo baixo, numa frigideira anti-aderente, untada com um fio de azeite de oliva, espalhei a mistura e esperei que esta cozinhasse até se soltar da frigideira. Transferi-a para um prato raso, e virei-a na frigideira, para cozinhar o outro lado.