Eis que de repente, nem tão de repente, um gélido sopro nos infla o peito e comprime todas as alegrias até que elas sejam apenas um sussurro desbotado na memória. Perdemos o chão e a ponta dos nossos pés parece tocar a linha limítrofe ao abismo cavado por nós mesmos e, mesmo que não tenhamos manuseado a pá que aprofundou a distância, assistimos à exaustão de suas medidas, inertes ou covardes. Cada um de nós caminhou em direções opostas, nossos interesses e idéias foram divergindo cada vez mais, a cumplicidade entre nós acabou sendo esquecida e, de amigos passamos a colegas. Essa percepção nos engole, num hálito amargo e frio!
Não é assim que nos sentimos quando, através de fatos ou sinais, descobrimos que não representamos mais, para o outro, aquilo que um dia havíamos representado, ou acreditado que assim fosse? A tristeza não range como o balanço da cadeira nas tábuas podres do tempo que se esvaiu? Não experimentamos um certo sentimento de revolta porque não nos foi avisado de que isso aconteceria? Será que as nossas sensações, perdidas num turbilhão de significados, são desencadeadas pelo desconforto na mudança da forma e do conteúdo de uma relação? Ou será que tudo se resume na dor de um amor não correspondido?
Mas se há a dor de “um amor não correspondido”, é porque ainda há amor. E se há amor, justifica-se a luta da reconquista?
Costumo dizer que a toda a escolha corresponde uma renúncia! Então, nunca se ganha somente ou se perde somente.
Diante do abismo há que escolher entre virar-lhe as costas e começar a traçar um novo caminho, jogar-lhe pás e pás de reconstrução para que a distância se apague, ou simplesmente jogar-se nele e suportar as dores que a queda poderá causar. Na primeira opção há a árdua caminhada de desbravar trilhas desconhecidas. Na segunda, existirão momentos de cansaço e a incerteza assustadora do resultado. Na terceira, as decepções poderão causar a múltipla falência dos sentidos, e o “amor” se tornará insípido e inodoro.
Será necessário colocarmos na balança a razão e a emoção?
Ou será que devemos aprender racional e emocionalmente sobre a ambígua condição humana de irmos ou ficarmos?
É difícil e quase inútil darmos ou recebermos conselhos sobre algo tão subjetivo, tão pessoal. Já ouvi histórias ilustrativas da visão que cada um tem do mundo ao seu redor, algumas justificadas pela cor e grau de transparência da janela através da qual o olhamos. Mas também já me questionei sobre o fato de esta visão estar agregada à memória do gosto que algumas circunstâncias gravaram em nós. O paladar tem memória! Ou deveríamos dizer que a memória tem paladar?
° Doce e salgado: na ponta
° Azedo: nas bordas
° Amargo: no fundo
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