sábado, 30 de abril de 2011

A CANELA

Não, eu não como primeiro com os olhos, como se costuma ouvir por ai!

Não nego que a aparência de um prato é relevante no grau de sedução que este exerce em nós, mas se o “encontro” for pessoalmente e não através de foto ou vídeo, o aroma me toca primeiro e se planta na minha memória com uma consistência mais forte e duradoura do que a aparência.

Os aromas nos despertam lembranças e sentimentos associados a elas!

A canela! Hum!... A canela cuja cor Jorge Amado louvou na pele de Gabriela, à qual deu o perfume do cravo. Por quê não o da canela?

Houve um tempo, na década de 1960, em que uma menina ainda passeando pelas primeiras descobertas de um mundo em que a fascinavam as cores, os odores e os sabores, desvendou num pó que às vezes era pau, o mistério da ilusão do paladar. O cheiro da canela simplesmente me fascinava de tal forma, que eu rodava a tampa do potinho de vidro e, de olhos fechados, ficava eternos minutos inspirando o aroma que dançava como a borboleta, e ela tinha duas asas: uma amarga e outra doce. Lembrava do quadriculado que a minha mãe desenhava sobre a travessa de aletria, que eu devorava, lentamente. Resolvi levar o pó à boca, gulosamente, numa quantidade não muito pequena e, então descobri que seu gosto era como se a borboleta tivesse perdido as asas.

Já experimentou colocar uma pitada de canela na língua, tampando o nariz? Faça-o e perceba que, sem o aroma, a canela não tem sabor ou, mais precisamente, que este não se identifica de forma alguma com o seu perfume. É isso mesmo! O que a canela nos parece trazer ao paladar é apenas uma ilusão mascarada pelo olfato. Essa é a magia dos cheiros!

Mas além do prazer que pode ser descrito em múltiplos êxtases, o aroma dos temperos tem uma fantástica função.

Quando inalamos o aroma de um prato preparado com ervas aromáticas, raízes, sementes ou caules, ativamos as células nervosas das narinas, as quais transmitem o estimulo ao nosso cérebro, informando que o alimento do qual se origina o aroma, está a caminho. Então, o cérebro envia esta mensagem às glândulas salivares, e as avisa para que elevem a produção de saliva, aumentando assim a produção de uma enzima responsável pela digestão dos carboidratos, (batata, pão, macarrão e massas em geral). Ao mesmo tempo, o cérebro envia também uma mensagem ao estômago, para que este aumente a quantidade de ácido clorídrico (principal elemento do suco gástrico). Ao mesmo tempo também, a secreção de uma substância hormonal que ativa o pâncreas e o fígado, é estimulada no intestino, e prepara estes dois órgãos para o início do processo digestivo.

terça-feira, 26 de abril de 2011

O Chocolate... quente.

O entardecer vestia-se de um hálito morno, como rastros do sol ardente que iluminara o dia. Não havia aquele frescor que nos abraça o corpo e faz as entranhas clamarem por algo que nos aqueça, mas a alma pedia, ainda que timidamente, o inebriante passeio pelo aveludado sabor do chocolate.
Estou sozinha, no aconchego de uma poltrona onde me afundo, e divido com os objetos à minha volta o embalo de Carmina Burana. Está vendo esta nuvem sobre a xícara que se ajeita entre as minhas mãos? Chegue mais perto... Venha sentir o perfume cítrico da casca da laranja. Perceba o toque amadeirado da canela. Feche os olhos... Inspire! Inspire! Deixe-se envolver e brinque entre o doce e o amargo do chocolate.
Como se sente? È o êxtase, não é?
A mistura destes ingredientes é simplesmente um poema de aromas e sabores!
O chocolate já é, por si só, uma ode ao paladar!
Os gregos o chamavam de “alimento dos deuses”, em grego, Theobroma, nome com o qual o botânico sueco Linneu batizou, em 1753, a árvore cujo fruto é o cacau, popularmente chamada de cacaueiro. Independente das teorias e experiências científicas sobre a capacidade estimulante da grande quantidade de cafeína que se encontra em sua composição, o chocolate é, acima de tudo, sedutor.
Sente-se ao meu lado, nesta outra poltrona. Tome esta xícara entre as mãos (estava esperando você) e sinta o calor que pulsa nela. Leve-a aos lábios, devagar, bebendo primeiro a nuvem que dela se desprende. Agora a incline e deixe o chocolate escorrer, lenta e aveludadamente, para dentro da sua boca. Não engula ainda! Explore primeiro a sua textura e cada nuance do seu sabor. Pode engolir agora! Abra sutilmente a boca e embriague-se com o seu hálito. Não é fantástico?

Se quiser fazer novos passeios com o chocolate, visite os links acima, e encontrará, em vários contextos, toda a poesia do seu aroma e paladar.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Minha Mãe e a Magia da Torrada

Hoje resolvi visitar o sótão da minha história, e tomei nas mãos um diário póstumo, onde fiz das palavras minhas amigas, e pincelei confidências com as cores que a vida deu ao meu coração.
Logo no começo deste passeio nostálgico, encontrei uma receita que aprendi com a minha mãe, e não sei se lhe foi passada pela minha avó ou se a encontrou folheando um livro de receitas. Mas a forma como criava a mistura e ordenava os ingredientes, foi para mim um espetáculo de tanta magia, que o relembro ainda, sentindo-me uma criança que aplaude o mágico ao vê-lo tirar da cartola borbulhantes aromas.
Reproduzo aqui o pequeno trecho, na tentativa e intenção de compartilhar esse momento de magia!

"Não tive pão fresco todas as manhãs, nem sempre tive a manhã para colocar pão fresco, mas com certeza tive, nos momentos certos, pessoas que me ensinaram a improvisar, a recriar cada momento.
Aprendi com a minha mãe, a brincar com sabores e texturas em cima de um pedaço de pão. Quer experimentar? Venha comigo!
Corte um filão ao meio (longitudinalmente). Eu já liguei a torradeira! Pode colocá-lo lá até que fique dourado e crocante? Por favor, pegue a manteiga, (manteiga, não margarina), observe-a deslizando sobre o miolo, e como ele a bebe, sedento. Espere, não o leve à boca ainda! Deixe-me polvilhá-lo com açúcar, canela, e respingar umas gotinhas de limão. Agora sim! Traga lentamente sua mão! Não se apresse! Dê-lhe o ritmo da sua percepção dos nuances que não se quebraram na mistura, e perceba-os democraticamente soberanos. Dê o tempo que for necessário à linguagem de cada um dos sentidos, e depois, saboreie... saboreie...saboreie!"

sábado, 16 de abril de 2011

O PALADAR

Eis que de repente, nem tão de repente, um gélido sopro nos infla o peito e comprime todas as alegrias até que elas sejam apenas um sussurro desbotado na memória. Perdemos o chão e a ponta dos nossos pés parece tocar a linha limítrofe ao abismo cavado por nós mesmos e, mesmo que não tenhamos manuseado a pá que aprofundou a distância, assistimos à exaustão de suas medidas, inertes ou covardes. Cada um de nós caminhou em direções opostas, nossos interesses e idéias foram divergindo cada vez mais, a cumplicidade entre nós acabou sendo esquecida e, de amigos passamos a colegas. Essa percepção nos engole, num hálito amargo e frio!
Não é assim que nos sentimos quando, através de fatos ou sinais, descobrimos que não representamos mais, para o outro, aquilo que um dia havíamos representado, ou acreditado que assim fosse? A tristeza não range como o balanço da cadeira nas tábuas podres do tempo que se esvaiu? Não experimentamos um certo sentimento de revolta porque não nos foi avisado de que isso aconteceria? Será que as nossas sensações, perdidas num turbilhão de significados, são desencadeadas pelo desconforto na mudança da forma e do conteúdo de uma relação? Ou será que tudo se resume na dor de um amor não correspondido?
Mas se há a dor de “um amor não correspondido”, é porque ainda há amor. E se há amor, justifica-se a luta da reconquista?
Costumo dizer que a toda a escolha corresponde uma renúncia! Então, nunca se ganha somente ou se perde somente.
Diante do abismo há que escolher entre virar-lhe as costas e começar a traçar um novo caminho, jogar-lhe pás e pás de reconstrução para que a distância se apague, ou simplesmente jogar-se nele e suportar as dores que a queda poderá causar. Na primeira opção há a árdua caminhada de desbravar trilhas desconhecidas. Na segunda, existirão momentos de cansaço e a incerteza assustadora do resultado. Na terceira, as decepções poderão causar a múltipla falência dos sentidos, e o “amor” se tornará insípido e inodoro.
Será necessário colocarmos na balança a razão e a emoção?
Ou será que devemos aprender racional e emocionalmente sobre a ambígua condição humana de irmos ou ficarmos?
É difícil e quase inútil darmos ou recebermos conselhos sobre algo tão subjetivo, tão pessoal. Já ouvi histórias ilustrativas da visão que cada um tem do mundo ao seu redor, algumas justificadas pela cor e grau de transparência da janela através da qual o olhamos. Mas também já me questionei sobre o fato de esta visão estar agregada à memória do gosto que algumas circunstâncias gravaram em nós. O paladar tem memória! Ou deveríamos dizer que a memória tem paladar?


O paladar é o sentido pelo qual distinguimos o sabor, e o órgão responsável por este sentido, é a língua, pois é nela, que se encontram as terminações nervosas, (existem algumas também na garganta), cuja especialidade é definir o paladar. Estas terminações estão na rugosidade da parte superior da língua. Cada parte da língua se responsabiliza por sentir com maior intensidade, cada um dos quatro tipos básicos de sabor:
° Doce e salgado: na ponta
° Azedo: nas bordas
° Amargo: no fundo

quinta-feira, 14 de abril de 2011

MAMMA MIA - O SABOR DA GRÉCIA

Eu adoro musicais! Claro que não guardo na minha gaveta deste gênero todos aqueles a que assisto, pois alguns já conseguem muito da minha tolerância, quando não desisto na metade do filme. Sou fã irrevogável de Meryl Streep, não fosse por tantas outras atuações, “A Escolha de Sofia” e “As Pontes de Madison” já teriam me marcado. A Grécia me encanta, por sua história, seus costumes e sua paisagem.
Assim sendo, estes três motivos foram suficientes para me instigar a assistir ao filme “Mamma Mia”!
Logo no início tive a constatação de um pensamento construído racionalmente, mas esquecido quase sempre quando se trata de aplicá-lo à emoção. Acontece que, ultimamente, quando me olho no espelho percebo-me visível e assustadoramente envelhecida. Não, não se trata dos traços implacavelmente imprimidos pelo tempo cronológico, mas sim da ausência de juventude que deveria vir da alma, dando brilho aos olhos e vivacidade às expressões. Em “Mamma Mia” Meryl Streep rejuvenesceu muito, se compararmos a “As Pontes de Madison”! Há a influência da maquiagem e dos recursos cinematográficos? Claro que sim! Mas há também e, principalmente, o estado de espírito contextualizado na alegria de viver desta ilha paradisíaca, há o brilho da alma que escorre pelos poros, nos gestos e nas expressões!
Não procure cenas gastronômicas no filme! Elas não estão lá! Elas estão por toda a Grécia, pois não há como pensar neste país sem colocar em nossos pensamentos o sabor e o perfume da sua cozinha.
Hipócrates (considerado o pai da medicina) era grego, e elaborou um extenso receituário, estruturado nos alimentos produzidos por esta região.
Situado na região sudeste da Europa e banhado pelo mediterrâneo, este país (com cerca de 11 milhões de habitantes) tem sua culinária repleta de vegetais, grãos, sementes oleaginosas (como a noz, por exemplo), azeite, mel e yogurtes feitos com leite de cabra. Ervas frescas, cereais, carne de carneiro e peixes e frutos do mar também marcam sua presença na mesa do grego, quase sempre acompanhados pelo néctar das videiras (o vinho), como longa tradição desta civilização.
Na Grécia a gastronomia é valorizada desde os tempos antigos, quando já se contava com algumas escolas em Atenas, pois além de a alimentação representar uma forma de fortalecer seus guerreiros, as refeições eram envolvidas pelo prazer de uma boa mesa e seu ritual representava um ato de civilidade, assim como os banquetes eram verdadeiras manifestações da arte culinária, permeando todos os sentidos.
A cozinha dos gregos consiste basicamente em alimentos frescos, e suas carnes e peixes são geralmente grelhados, havendo exceções para outros pratos deliciosos, como o cozido de carne ou polvo, chamado de “stifado”, delicadamente perfumado com o aroma da canela, o qual passeia por várias comidas salgadas e doces, entre elas o “kadaifi”, massa folhada recheada com amêndoas e canela.
Entre os líquidos preferidos deste povo encontramos o café árabe, a aguardente de uva com essência de anis e os vinho, tintos ou brancos, sendo que há sempre um petisco acompanhando as bebidas alcoólicas. Os “mezédes”, pequenas porções de antepastos, que acompanham uma bebida e são degustados antes das refeições, têm na sua vasta lista o patê de berinjela e a coalhada com pepino e alho.
Um outro fator que contribui para o caráter saudável da alimentação grega é a ausência de pressa no desenrolar das refeições, como um ritual de sereno prazer, ampla e profundamente saboreado desde o “mézede” até à sobremesa, envolvido por conversas que ultrapassam a hora, e se arremata numa boa sesta.
A Grécia é um quadro de fantásticas cores, aromas e sabores! Há a maresia que perfuma o ar e, conforme a estação, vai recebendo pinceladas da vegetação que floresce e se frutifica no delicioso hálito das ervas e das frutas, onde se destacam melões e melancias, uvas, pêssegos e doces figos!

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O AZEITE

Ainda menina, quando mal acabara de aprender a me deslocar pelo espaço, na posição vertical, e a formar frases com mais de três ou quatro palavras, identificar os aromas e segui-los para absorvê-los mais de perto era para mim um momento lúdico de imensa satisfação. Havia o doce perfume da minha mãe no abraço matinal, havia outro, mais amadeirado, que deixava suas “pegadas” pelo corredor da casa e se despedia sob o batente da porta, quando o meu pai saia para trabalhar. Tinha também o cheiro aconchegante da pele negra de Nina, nossa cozinheira, quando me acomodava em seu colo para ouvir histórias vividas, e o sussurro rosa-laranja das mangas deitadas na fruteira, sobre a mesa da sala. Tantos perfumes espreitando por todos os cantos!
Mas quero falar agora do crepitante cântico do azeite aquecendo na panela, que ousado e sedutor, atravessava a porta da cozinha e passeava pela casa. É um aroma que, até hoje, se impregna em meus sentidos e me faz salivar como se em minha boca se tornasse presente seu sabor e sua textura. O azeite se instalou com tanta veemência em minha memória que, basta olhar seu límpido verde através da transparência de um vidro fechado, para que todas estas sensações se despertem em mim, como o sol que invade a janela e me afaga o rosto. Assim o azeite me toca a alma!
Se não uma rainha, a oliveira, consagrada à deusa Atena, fornecia as folhas que se trançavam e compunham as coroas sobre as cabeças dos atletas gregos, aos quais também era oferecido, como prêmio, o fino óleo extraído de seu fruto, a azeitona. A este óleo se deu o nome de azeite, pois se constitui no “sumo da azeitona” que, vem do árabe Az+zait.
Apesar de não haver uma data certa para o aparecimento das oliveiras, presume-se que tenham aparecido na região da Ásia Menor, na época do Paleolítico Superior. Já presente por todo o Crescente Fértil em 3.000 a.C, o cultivo das oliveiras se difundiu pela Europa graças aos gregos e romanos. Após espalhar-se pela bacia do Mediterrâneo, chegou às Américas através das expedições marítimas dos portugueses. O sol e clima seco são propícios ao seu plantio, e os frutos da oliveira, normalmente aparecem cinco anos após a plantação. Este azeite ajuda a prevenir doenças cardiovasculares. Contribui para reduzir o nível de colesterol, favorece a fixação de minerais no organismo, estimula o crescimento e a absorção de cálcio.
Há como resistir a este alimento maravilhoso que, além de ser tão benéfico ao nosso organismo, nos imprime sensações inesquecíveis? Há como não cerrar as pálpebras e inflar o peito para inspirar o aroma poético do azeite?