quarta-feira, 23 de março de 2011

O VINHO

A taça erguia-se, entre majestosa e singela, sobre a rústica madeira da mesa rasteira no meu alpendre! Debrucei-me em sua direção e, antes de levá-la à boca, brinquei deslocando-a em círculos, entretida com os suaves movimentos do líquido rubi que, acariciou-me a alma entardecida com um aroma de cacau, pimenta e baunilha para, em seguida, beijar-me os lábios. Completei o momento sorvendo um pequeno gole, permitindo que o vinho entrasse em contato com as diferentes regiões da minha língua, pois cada uma capta um sabor distinto.
Era assim que, em alguns finais de tarde, eu me refugiava no jogo da percepção dos sentidos: eu, o silencioso abraço da brisa e minha taça de vinho.
Esta bebida que nos adormece e nos desperta veio abrindo espaço na história dos homens e sua presença se fez constante. No Auto Retrato de Munch, pousada sobre a mesa há uma garrafa de vinho. Em La Collazioni Dei Canottieri, de Renoir, a confraternização é regada a vinho. Pablo Neruda em seu Oda al Vino, dá ao dia e à noite a cor do vinho e lhe pinta os pés de púrpura, chama-o de sangue de topázio. Mário Quintana leva o vinho, para beber docemente com o mais velho e silencioso amigo. Fernando Pessoa diz que a vida é boa, mas que o vinho é ainda melhor, e Baudelaire descreve o cântico da alma desta bebida. E na mitologia? Ele está lá, junto ao deus Baco ou nas histórias de Dionísio. Diz a lenda que, certa vez, no harém do rei Jamshid (na Pérsia), uma das donzelas tenta se matar, ingerindo o suco das uvas contidas em uma das jarras, que espumavam e exalavam um cheiro estranho, por acreditar tratar-se de veneno. Ela não morreu, e em vez disso caiu num repousante sono, após ter sentido o êxtase da alegria. Ao saber disso, o rei ordenou que tal bebida fosse produzida em grande quantidade.
Pesquisadores datam o início do cultivo da uva, de há mais de 4000 anos, mas a localização no tempo, das primeiras produções de vinho, ainda é incerta, as quais, de métodos artesanais, com mínimas condições de higiene, e formas rudimentares de conservação, assim como embalagens precárias, vem evoluindo na sua elaboração, ao mesmo tempo que, as formas da garrafa são mais elaboradas, e as rolhas mais fortes.
 Escavações na Turquia, na Síria, no Líbano e na Jordânia, indicam a presença das uvas, já na Idade da Pedra, cerca de 8000a.C, embora este dado se refira às uvas selvagens e não ao seu cultivo. A época em que o homem passou de nômade a sedentário, e por isso adquiriu o hábito de plantar, coincide com a data das sementes de uva (classificadas pela marcação de carbono), encontradas na Geórgia, que são definidas como sendo de plantio, porque estas diferem das selvagem, que não possuem os elementos necessários, (como a capacidade de armazenar açúcar na proporção de 1/3 do seu volume) para a confecção do vinho.
 A Palestina empreendia-se no cultivo e na seleção de vinhas da melhor qualidade, para a elaboração de uma gama de vinhos com grande reputação.
Os vinhedos prosperavam à margem do Golfo Pérsico, dos Mares Cáspio, Negro e Egeu. Floresce no Egito e se propaga até à Europa. A cultura da uva é empreendida na Grécia, nas ilhas sob o domínio do Rei Baco, e os vinhos aqui produzidos são levados aos portos do Mediterrâneo, às vezes com preços exorbitantes, especialmente em Roma, onde o seu consumo chegou a ser proibido para as mulheres, devido ao excesso tomado por alguns consumidores, e seus efeitos, considerados não morais.
A expansão desta cultura se deu de tal forma, que causou uma superprodução na Península Ibérica, e uma conseqüente queda de preços. Pressionado pela crise, o Imperador Domiciano, ordenou que fossem queimadas as vinhas de origem dos vinhos de baixa qualidade, o que não impediu que a cultura do vinho continuasse sua progressão, principalmente com a grande contribuição da Igreja, a qual passou a fazer da viticultura, uma forma de aumentar o seu tesouro, abastecendo monarcas, e altas autoridades de países vizinhos.
Já fomentada em larga escala pelo clero, ao redor dos monastérios, e em seguida pela nobreza, ao redor dos castelos, a cultura de vinhedos atinge o interior das cidades, onde são controlados pela burguesia(senhores feudais).
O vinho é o brindar da vida, do laço da amizade e o aconchego na solidão!

terça-feira, 22 de março de 2011

MANJERICÃO

Desde menina, de vez em quando (ou quase sempre) me dava conta desatenta aos sons e imagens do mundo, mergulhada num universo feito de brisas perfumadas. Sempre foi (e ainda é) o hálito da chuva beijando a terra, num beijo feito abraço, o meu cheiro preferido (sem falar, o sopro quente da pele dos meus filhos). Mas não há como esquecer o dia em que me soltei da mão da minha avó, puxada pelo aroma que se desprendia, lá atrás, de algum lugar, na banca de folhas verdes. O encanto fez meu vestido de menina rodopiar! Na terceira tentativa, ainda com o pequeno maço encostado ao meu nariz, pude ler a plaquinha onde estava escrito “manjericão”.
Desde então não resisto a um ramalhete destas folhinhas perfumadas!
Para quem não lembra, o manjericão é aquela erva aromática colocada sobre a pizza Margherita, junto ao tomate, muçarela e azeite.
Foram os povos egípcios quem, ao perceber que certos arbustos liberavam aromas agradáveis, ao serem queimados, passaram a utilizá-los como perfume. Aos poucos se descobriu suas funções medicinais e sua contribuição ao sabor dos alimentos.
Originário da Índia, o manjericão é um arbusto que chega a atingir 50cm de altura. Suas folhas (de onde se desprende o sabor doce e picante) têm uma forma semelhante à do coração (foi considerado símbolo do amor, na Itália, e do luto, na Grécia) e suas pequeninas flores vão da cor branca à púrpura.
O manjericão nos envolve e nos toma a atenção dos sentidos!
A cineasta Lina Wertemuller, olhar crítico e sensível sobre a sociedade italiana, que o diga! Em 1986 ela lançou o filme Noite de verão com perfil grego, olhos amendoados e cheiro de manjericão.
Experimente! Inebrie-se, entregue-se, sorria aromas manjericais!

OMELETE - "A GRANDE NOITE"

Cinema é uma das minhas paixões! Imagem só quando o sabor permeia as cenas e se torna protagonista!
Fantástico, maravilhoso! Não fosse a frustração por não encontrar palavras que definam em toda a sua plenitude a beleza desta obra-prima, eu me encontraria no mais absoluto estado de graça. Os diretores Stanley Tucci e Campbell Scott presenteiam-nos com “A Grande Noite”, onde a emoção e o paladar são seduzidos em toda a sua exacerbação.
O enredo se exalta na busca de sonhos, na determinação de princípios, ou no confronto destes com as metas traçadas, ao mesmo tempo em que nos embala numa suavidade eufórica, ao contemplar o debruçar da alma no preparo dos alimentos. É a história de dois irmãos italianos, Primo (Tony Shalhoub) e Secondo (Stanley Tucci), que montam um restaurante em Nova Jersey, nos anos 50, procurando transmitir em cada nuance a verdadeira essência da gastronomia italiana. Os clientes são escassos além de estarem mais interessados em comer do que saborear, e as dividas se avolumam. Enquanto Secondo representa o real, a razão, a luta pela viabilidade da concretização de um sonho, embora o seu lado de emotivo italiano, por vezes o faça transpirar no calor da emoção, Primo representa o idealismo, a lealdade às raízes, a preservação do sentimento impregnado em cada tempero e traduzido no detalhe de cada gesto. A grande noite representa para o primeiro um passo decisivo rumo ao sucesso, mas para o segundo ela se revela como uma ameaça à integridade do artista que expõe o paladar fazendo dos ingredientes sua matéria prima e dando-lhes forma ao despertar todos os sentidos.
A trilha sonora é envolvente no resgate da melodia italiana, e se encaixa perfeitamente em cada situação.
Os diálogos primam pela simplicidade de códigos e a complexidade de emoções.
As imagens são belíssimas, ora frenéticas, ora serenas, numa cadência que inebria o espírito, e o visual dos pratos que compõem a grande noite é de dar água na boca. A elaboração do “Tímpano”, receita sigilosa passada através das gerações, faz com que queiramos invadir a tela, e nos deixar invadir pela descoberta de seu sabor, aroma e textura. Mas o momento mais delicadamente intenso, é a preparação em tempo real de uma simples omelete, para onde se converge todo o teor emocional do filme.
Após ter assistido duas vezes seguidas a este delicioso filme, ainda envolvida pelo clima que transpira em cada cena onde o alimento está presente, dirigi-me à cozinha, e com toda a alma passeei pelo mágico mundo onde sabores, aromas, cores, consistências se abraçam e exalam um prazer indescritível.
Um bom cozinheiro se identifica na qualidade de pratos simples, onde o verdadeiro paladar não se permite mascarar.
Com certeza não tão simples quanto a omelete preparada por Secondo, mas sem dúvida conduzida pela com a mesma paixão, num prato fundo, bati 4 gemas, 1/3 de xícara de leite, 1 colher (de café) de erva-doce, 1 colher (de sopa) de salsa picada e 1 colher (de sopa) de queijo tipo parmesão ralado. À parte, bati 4 claras em neve, as quais anexei à outra mistura, envolvendo-as delicadamente.
Em fogo baixo, numa frigideira anti-aderente, untada com um fio de azeite de oliva, espalhei a mistura e esperei que esta cozinhasse até se soltar da frigideira. Transferi-a para um prato raso, e virei-a na frigideira, para cozinhar o outro lado.