domingo, 15 de maio de 2011

No baú das minhas lembranças.. O chá!

As memórias da minha infância são como fios de cristal que se entrelaçam e desenham um baú. Indescritível em seus contornos e imensurável em suas medidas, ele cabe num precioso canto do meu coração e, quando sem hora nem lugar marcados, sopra em mim a brisa que resgata as lembranças, e com ela se forma uma revoada de risos e aconchegos.
Por entre o murmurinho de vozes femininas espreita a sinuosidade da nuvem que emerge da xícara! É de fina porcelana (chamada de casca-de-ovo) e os desenhos se vestem de límpido azul. Em torno da mesa coberta de branco rendado, se acomodam minha avó e suas amigas. Sobre ela há uma meticulosa variedade de petit-fours dispostos em pratos perolados, há o brilho polido dos talheres, há a imponência do majestoso bule, há a delicadeza bordada nos guardanapos... e como numa ciranda que dança ao cair da tarde, a madura elegância dos quatro pares de mãos vão dando movimento a tudo isso.
Aninhada no aveludado da poltrona que se alinha à decoração da sala, meu olhar ávido, de menina, se entretém no percurso e na intenção de cada gesto, em cúmplice parceria com os ouvidos, atentos, que brincam de decifrar os diálogos.
Mas de todos os encantamentos que este momento, repetido (ou prolongado) todas as semanas na despedida de um de seus dias, trouxe à criança que “espiona” o universo dos adultos e seus códigos complicados, há um que ainda me invade os sentidos, os enlaça e os convida a rodopiar... rodopiar num palco de porcelana tocada na ponta dos dedos...  vestidos com esvoaçantes, translúcidas e mornas sedas de vapor... perfumados com um amadeirado misturado ao silvestre de folhas de arbusto queimado... e os aplausos ecoam no corpo e na alma quando, num gole, o sabor do líquido nos aquece a boca e o peito. É o chá!
Para apreciar verdadeiramente um chá genuíno, não recorra à tecnologia dos tempos modernos, por isso dispense o “saché” e prepare-o com a própria erva, em infusão. Tome-o numa xícara ou caneca, mas que sejam de porcelana e, por fim, não use açúcar ou adoçante, porque estes alteram o seu sabor original. Ah, e para que o seu paladar o envolva generosamente, não o deixe esfriar, ingira-o ainda quente, naquela temperatura que parece precisar de uma ou duas leves assopradas.
Se Saint-Exupéry já dizia que o essencial é invisível aos olhos, pois só se enxerga bem com o coração, eu diria que não basta tomar o chá, é preciso sentir-lo em todos os seus nuances. O chá é o verso de um ritual poético, conferindo a quem o bebe uma leitura pessoal.

domingo, 8 de maio de 2011

O Morango, entre a cor e o sabor

Você já parou para pensar como seria a vida sem as cores, ou apenas em preto (a ausência de cor) e branco (a mistura de todas as cores)?
A sensação que tenho é de que ela seria desprovida de emoções, e nós não passaríamos de mecanismos que transitam entre dois opostos sem definição de forma, espaço e tempo.
Há alguns anos assisti ao filme Pleasantville – A Vida em Preto e Branco, dirigido por Gary Ross, onde um jovem casal de irmãos, a partir de um toque no controle remoto da televisão é, de repente, transportado para a realidade de um seriado que o rapaz costuma assistir avidamente, e cujo enredo se passa em Pleasantville, uma pequena cidade repleta de normas proibitivas (entre elas, os livros) e onde todas as coisas, vivas ou inanimadas, se resumem à variação dos tons entre o preto e o branco.  Os dois jovens, cada um do seu jeito, acabam imprimindo aos habitantes uma série de emoções, através do rompimento das regras ali estabelecidas, e isto faz com que as cores comecem a surgir. É curioso reparar que primeiro vem o vermelho da rosa, da maçã ou dos lábios de uma dona-de-casa.
E por quê o vermelho? Talvez porque a ele está associada a propriedade estimulante. Em 1790, Johan Wolfgang von Goethe, um escritor alemão que também se dedicou às ciências, inicia um estudo sobre as cores, e atribui esta característica ao tom rubro.
E falando em vermelho na área gastronômica, qual o primeiro alimento que você visualiza? Eu vejo morangos! Suculentos morangos, sedutores na forma, na cor e no sabor (na verdade, o fruto são aqueles pequenos grãos amarelos ou pretos, localizados na superfície da parte vermelha).
Tenho em minhas mãos uma pequena taça de vidro que deixa transparecer a rubra cor, intermediada por pequenos e verdes desenhos estrelados. São as folhas que o prendem à haste. Gosto de deixá-las para poder segurá-las e, em pequenas mordidas, degustar a textura macia desta fruta. Aceita uma? Tome em sua mão o formato de coração vestido com a intensidade do vermelho, e leve-o lentamente à boca, sentindo primeiro o aroma silvestre, para depois saborear o agridoce que dele se desprende!
Não é maravilhosa a natureza, que nos presenteia com esta sutil mistura entre o majestoso e o singelo? Considerado a fruta símbolo de Vênus, associado ao romantismo e ao erotismo, fascinante aos olhos das crianças, o morango é, simplesmente... fascinante!